Montadoras se unem às antigas rivais para se fortalecer.
Estratégia é usada para garantir a sobrevivência das marcas.
Imagine um mundo com mais de 6 bilhões de pessoas e 600 marcas de automóveis. Cada montadora – tradicional ou novata – define suas próprias estratégias para conquistar consumidores e garantir uma posição de destaque no concorrido mercado global. Parece algo impensável, mas não é.
Esse cenário descreve a realidade do setor automobilístico em um passado recente, antes da consolidação daquilo que ficou conhecido como globalização, além do agravamento da maior crise financeira mundial desde a Grande Depressão dos anos 30.Nesse concorrido mercado, que poderia ser comparado a um tabuleiro do clássico jogo War, empresas do setor tentam se posicionar no mundo e, assim, sobreviver aos difíceis reflexos de um mercado cada vez mais disputado.
Para o professor de finanças corporativas da Brazilian Business School (BBS), Plínio Chap Chap, as fusões, aquisições e parcerias vistas agora, em momento de crise, nada mais são do que a consolidação do setor, que já havia começado no século passado. “Vão sobrar menos empresas e grupos maiores”, ressalta o especialista.
A experiência brasileira com a formação de grupos automotivos foi a Autolatina, a associação entre Ford e Volkswagen feita de 1987 a 1994, para reduzir custos em meio a uma forte queda do mercado automotivo, entretanto, nenhuma das empresas tinha problemas graves.
De acordo com o consultor de mercado e sócio da Creating Value Consultoria, Corrado Capellano, o objetivo era financeiro. “Pouca importância se deu para introduzir uma cultura que focasse produtos e rede de vendas, enfim, os clientes. O que acabou matando a empresa”, observa Capellano.
Assim, a manutenção da identidade e individualidade das duas marcas rendeu modelos “gêmeos” como Apolo (VW) e Verona (Ford); Quantum (VW) e Royale (Ford); Santana (VW) e Versailles (Ford); e Logus /Pointer (VW) e Escort (Ford). “Os produtos eram complementares, a Volkswagen tinha foco diferente da Ford, outro mercado. Foi uma joint venture mais mercadológica do que por necessidade”, acrescenta Chap Chap.
Diferentemente da realidade da Autolatina, os processos de união vistos hoje no setor são mais do que necessárias. “O que acontece agora é:‘vamos nos abraçar para ver se a gente não afunda’”, ilustra o professor da BBS.
Porsche e Volkswagen ‘contra’ a Toyota
A fusão da Porsche com a Volkswagen é um dos mais importantes movimentos da indústria automobilística. Agora, o novo grupo alemão se tornará o grande rival da japonesa Toyota, a maior montadora em vendas. Corrado Capellano explica que essa fusão tem caráter político e está ligada a interesses de grandes famílias e políticos na Alemanha.
No caso, o governo da Baixa Saxônia – estado alemão que detém 20% das ações do grupo Volkswagen – tem poder de veto em qualquer decisão. Ou seja, embora a Porsche seja acionista majoritária, os executivos da Volkswagen provavelmente comandarão a nova empresa. “Ou se acertam com o estado ou não tem negócio. A Porsche tem o controle acionário, mas não manda 100%. Por isso que o jogo está mais lento”, ressalta Plínio Chap Chap.
Segundo Capellano, a fusão de empresas pode ser uma forma de ganhar escala e ser competitivo, mas não é o único caminho e nem uma solução garantida. “Se fosse garantido, a GM deveria ser a montadora mais lucrativa e a BMW a menos, mas é o contrário. Existem outras formas para conseguir escalas, e a aliança da BMW com a Mercedes-Benz na área dos híbridos é um claro exemplo disso”, observa o consultor.
A expansão da Fiat
Seja por aliança, parceria ou fusão, o interesse da Fiat na Chrysler é conseguir uma participação no mercado americano, mesmo que pequena, por se tratar de um dos mais ricos do mundo e que a Fiat está fora. Para ajudar, o investimento na operação é bem baixo, já que os empréstimos do governo dos Estados Unidos têm alto valor. “Basicamente, se a Fiat conseguisse usar a rede Chrysler para vender carros da marca Fiat - como o 500 -, ou Alfa Romeo ou Lancia, mesmo que poucos, já seria uma grande vantagem”, avalia Capellano.
Segundo o consultor, por outro lado, a desvantagem da estratégia para a Fiat é o risco que isso não aconteça, e que as dificuldades sejam bem maiores do que os banqueiros avaliam. “E o diretor geral da Fiat, Sergio Marchionne, é um banqueiro”, comenta.
“Na minha opinião, esta é uma operação muito arriscada, e me lembra muito outras ‘grandes fusões’ que iam mudar o curso da história e acabaram em bônus fantásticos para os banqueiros, executivos e consultores que participaram da aventura, mas acabaram mal para os acionistas e os funcionários”, ressalta o consultor, que trabalhou na Chrysler, em Detroit, em 2001.
O valor da Opel (braço da GM na Europa) no mercado europeu também é atrativo para a Fiat, que tem força na Itália, mas não nos outros países. A italiana já manifestou interesse de compra da filial alemã da GM, o que resultaria na formação de um novo gigante do setor automobilístico, ao juntar as três marcas do Grupo Fiat (Fiat, Lancia e Alfa Romeo), a participação na Chrysler e as atividades europeias da GM.
Porém, o comitê executivo da Opel não é favorável à entrada da Fiat. Experiências com a montadora italiana é o que não falta para sustentar o argumento. Em 2000, as duas companhias firmaram uma aliança para ampliar a atuação no mercado, principalmente na Europa e na América Latina, aumentar a escala produtiva e trocar tecnologia, principalmente, na área de Power Train (sistema que abrange transmissão e motor). Na época, a Fiat tinha interesse nos motores da GM de alta potência e, por outro lado, a GM tinha interesse nos propulsores pequenos a diesel da Fiat.
O acordo foi feito por troca de ações, e duas empresas foram formadas: a Powertrain e Worldwide Purchasing. A parceria terminou em 2005, porque a GM que tinha 20% das ações da Fiat (a italiana tinha apenas 5% da GM), precisou se concentrar nas operações europeias, que despencaram após o acordo, com prejuízos que chegaram a US$ 3 bilhões. Para isso, pagou US$ 2 bilhões à Fiat. Assim, a americana também comprou o direito de usar os motores a diesel desenvolvidos pela parceria.
Subsidiárias da GM na América do Sul
A aquisição de uma fatia da GM abre espaço para a Fiat querer ampliar sua influência nas subsidiárias da montadora norte-americana na América do Sul. Mas ao contrário do que tem sido publicado pela imprensa internacional, o Brasil não estaria nos planos de expansão da italiana por meio de aquisição de ações da GM.
A afirmação vem da própria Fiat. O presidente da Fiat do Brasil e Mercosul, Cledorvino Belini, nega interesses da matriz na América do Sul. "É muita especulação sobre esse tema. Nós desconhecemos tal interesse. Oficialmente, só a Opel está na discussão", diz Belini.
O consultor Corrado Capellano explica que, na América Latina (excluindo o México), a Fiat está mais bem posicionada do que a GM, o que não agregaria tantas vantagens em uma fusão. “Com certeza agregaria problemas de gerenciamento interno e de mercado”, observa.
“Se for para sair comprando empresas e fazendo alianças, então seria melhor abrir mercados emergentes. China, Rússia e Índia têm muitas oportunidades para serem exploradas ainda”, ressalta Capellano.
Francesas são as menos globalizadas
Das montadoras francesas, o máximo de “globalização” observada foi a aliança que aconteceu entre a Renault e a Nissan que, mesmo assim, não são marcas globais. Na análise de Plínio Chap Chap, foi exatamente por esta postura que os grupos PSA Peugeot Citroën e Renault Nissan sobrevivem no mercado. Segundo ele, o governo francês interfere muito nas decisões das empresas, principalmente em momentos de dificuldade, o que as fortalecem regionalmente.
A japonesa Nissan, inclusive, já anunciou que vai ampliar a aliança com a Renault, como parte de esforços para ampliar seus lucros. Segundo o grupo, a medida inclui o aumento do compartilhamento de motores entre as duas montadoras.
Destaque brasileiro
Ainda há dúvidas em relação ao quanto tais mudanças afetarão o Brasil, mas é inquestionável o fato de a indústria automobilística nacional continuar forte e capaz de enfrentar a crise, podendo repetir no final deste ano o volume de vendas internas registrado em 2008, de 2,820 milhões de unidades. “O Brasil é a bola da vez”, afirma Chap Chap.
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