quarta-feira, 27 de maio de 2009

‘Guerra’ no trânsito é caso de saúde pública, diz especialista

Acidentes matam 35 mil por ano e custam R$ 30 bilhões ao país.
Modelo francês de prevenção de acidentes teve apoio contínuo do governo.

Foto: Reprodução/TV Globo
Brasil gasta R$ 30 bilhões no atendimento das vítimas

Em proporções bélicas, os acidentes de trânsito no Brasil matam quase 35 mil pessoas por ano, ou seja, 95 pessoas por dia. Motoristas embriagados, velocidade acima do limite, falta de fiscalização e de respeito entre as pessoas são diariamente listados por entidades e autoridades envolvidas na luta contra os acidentes como as causas do problema que, até agora, não teve solução. De acordo com o secretário executivo do Conselho Estadual para a Diminuição de Acidentes de Trânsito e Transporte (Cedatt), Fábio Racy, a resposta para a diminuição dos acidentes será encarar a questão como caso de saúde pública. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil gasta R$ 30 bilhões por ano no atendimento das vítimas.

E o exemplo vem da França. As entidades francesas Securité Routière – órgão normativo que elaboras as leis de trânsito no país - e Prévention Routière – grupo não-governamental e científico que fiscaliza o cumprimento das leis de trânsito – apresentaram nesta terça-feira (26), durante o Seminário Internacional de Segurança e Proteção no Trânsito e nos Transportes em São Paulo, os caminhos traçados pelo país para reduzir drasticamente o número de acidentes no trânsito.

De acordo com o presidente da Prévention Routière, Pièrre Gustin, 12 pessoas morrem por dia em acidentes de trânsito na França. Entretanto, a realidade no país não foi sempre essa: em 1972 eram 17,5 mil mortes a cada 30 dias, ou seja, mais de 500 diariamente. Os principais inimigos do trânsito eram a falta do uso de cinto de segurança, altas velocidades e o consumo de bebidas alcoólicas por motoristas.

“O pico de catástrofe foi o ano de 1972, com o aumento da frota circulante. A partir daí começamos a fazer uma forte campanha com a sociedade. Em 1973, chegamos a organizar uma manifestação com 17 mil pessoas, que deitaram nas ruas para simbolizar as mortes”, observa Gustin.

A associação Prévention Routière foi criada em 1949, mas precisou muito mais do que a adesão dos franceses e a forte campanha publicitária, necessitou também do forte apoio do governo federal, consolidado a partir de 2003. “A França estabeleceu metas, o que é muito importante”, observa Racy. E metas ambiciosas. O objetivo fixado para 2012 é a redução das mortes em acidentes para menos de 3 mil.

“Em 2003, o governo francês instalou mais de 2 mil radares móveis e fixos nas rodovias do país, reforçou drasticamente a polícia para fiscalização e aperfeiçoou o sistema de multas, que chegam à casa do infrator em, no máximo, dez dias”, explica Gustin. Outra mudança importante estabelecida desde 2008 foi a inclusão de mais 500 radares em cinco anos, a confiscação do veículo em caso de condução sem habilitação e reincidência de infração de velocidade acima do limite ou uso de álcool.

Pièrre Gustin conta que entre os principais desafios das entidades envolvidas na causa foi a mudança de cultura para a condução menos agressiva. Segundo o especialista, as campanhas precisam ser firmes e contínuas para funcionar, por isso, o envolvimento do governo é fundamental.



Foto: Reprodução/Globo Nordeste
Fiscalização rígida reduz acidentes

Atraso brasileiro

Enquanto a França evoluía, o Brasil apenas engatinhava. O Código Brasileiro de Trânsito é completo e atualizado, entretanto, questões políticas, jurídicas, educacionais e de fiscalização continuam precárias. “Metade dos brasileiros não usa cinto de segurança e nem capacete. Quando pensamos nessas questões lembramos apenas dos grandes centros”, alerta o presidente da Frente Parlamentar para um Trânsito Seguro, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS).

Albuquerque defende que a Justiça encare os acidentes com vítimas como um ato homicida. “Para ter ideia da cultura, os brasileiros sentem-se vítimas ao receber uma multa, ao ser autuados por alcoolismo. A afirmação é sempre a mesma de que é a ‘indústria da multa' a responsável”, diz o deputado. Segundo ele, parte do dinheiro arrecadado com as multas deveria ser usado nas campanhas de prevenção de acidentes.

Além disso, Albuquerque defende a autonomia do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). “O Denatran deveria ser uma autarquia ou agência para ter mobilidade, verba própria e autonomia para fiscalizar a aplicação do Código de Trânsito”, ressalta o parlamentar.

Foto: Divulgação
Um dos pontos de fiscalização no Rio é na Linha Vermelha

Rio de Janeiro investe na Lei Seca

O Brasil, assim como a França e qualquer outro país, tem como o principal inimigo no trânsito o uso de bebidas alcoólicas. Apesar da oposição dos brasileiros, o país adotou a Lei Seca, mas ainda sem muito sucesso devido à falta de fiscalização. Por esse motivo, há dois meses o governo do estado do Rio de Janeiro iniciou a chamada Operação Lei Seca, que conta com seis equipes formadas por policiais militares e civis, estudantes de medicina, representantes do Detran, integrantes de ONGs e cadeirantes que tiveram como sequela de acidentes a deficiência física.

“É uma política de caráter preventivo feita por seis equipes de segunda-feira a segunda-feira, com dois focos: a fiscalização com blitz e a ação educacional”, explica o subsecretário para Trânsito do governo do Rio de Janeiro, Carlos Alberto Lopes. Em 60 dias de operação, os acidentes de trânsito caíram 23,6%. O projeto custa, por mês, R$ 200 mil.

Além de aprovar a ação, Fábio Racy, do Cedatt, defende a extensão da operação para todo o país. “A polícia não estava preparada quando a Lei Seca entrou em vigor. Agora a polícia se adapta , o que possibilitará a fiscalização a qualquer hora do dia e com qualquer pessoa”, ressalta.

Segundo Racy, o uso de bafômetros descartáveis para ajudar as operações, a exemplo do que acontece hoje na França, é uma proposta importante a ser avaliada. “Mais baratos, eles ajudariam muito a aumentar a fiscalização. Se fosse identificado o uso de álcool antes, o bafômetro eletrônico só seria usado para especificar a quantidade de álcool no sangue da pessoa”, explica.

Para Carlos Alberto Lopes, Brasília e São Paulo já estão interessados em estudar a Operação Lei Seca para desenvolver trabalho contínuo semelhante. “No Rio, enxergamos o problema como um caso de saúde pública, que deve ser resolvido com ações políticas permanentes.”

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