Prefeitura de SP diz que não vai permitir o serviço na cidade.
No Rio, procura pelo motofrete não para de crescer.
A regulamentação da profissão de mototaxista aprovada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva há dez dias deixou evidente duas realidades distintas nas mais populosas capitais do país: São Paulo e Rio. Pela decisão do Governo Federal, as prefeituras podem criar regras próprias para o serviço.
Em São Paulo, a Prefeitura se manifestou contrária à implantação do serviço de mototáxi por considerar um risco para a população. Alega que decisão do Governo Federal vai contra uma lei municipal de 1998 que proíbe o transporte remunerado de passageiros em motocicletas. No Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Transportes vai analisar a conveniência ou não de regulamentar essa profissão, mas o serviço cresce a cada dia, é feito às claras e com aparente aprovação da população.
Prefeitura de São Paulo diz que vai multar
Com ou sem regulamentação da lei que libera o serviço pela Prefeitura de São Paulo, os mototaxistas que já vivem da ‘profissão’ afirmam que deverão continuar trabalhando normalmente pelas ruas e avenidas da cidade. Principalmente porque nos últimos anos aumentou o número de usuários que utiliza este tipo de serviço, seja pela agilidade, seja pelo preço, mais em conta que um táxi comum.
A Prefeitura de São Paulo, por meio de nota veiculada em sua página oficial na internet, já se manifestou contrária à implantação do serviço de mototáxi. De acordo com a nota, São Paulo já conta com uma lei, de 1998, que proíbe “o uso de motocicletas para a prestação de serviços de transporte remunerado de passageiros” e que, por isso, não há mais a necessidade de regulamentação da lei federal na cidade. O objetivo, segundo a Prefeitura, da não regulamentação, é “em primeiro lugar a segurança de seus cidadãos”.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria Municipal de Transportes informou ao G1 que o motociclista que for flagrado prestando tal serviço será autuado por efetuar transporte remunerado clandestino (táxi clandestino), multado em R$ 181,70 e terá o veículo apreendido. De acordo com a secretaria, não está previsto qualquer punição aos passageiros.
Segundo a secretaria, a fiscalização é feita pelos agentes do Departamento de Transporte Público (DTP) e pelo departamento de fiscalização de trânsito da Polícia Militar. Além disso, são realizadas ações específicas em casos de denúncia, que podem ser feitas pelo Serviço de Atendimento do Consumidor do DTP.
Ex-motoboy, Célio da Silva faz serviço de motofrete em São Paulo há quatro anos
De motoboy a motofrete
Apesar disso, com o aumento da demanda devido ao trânsito caótico de São Paulo, muitos motoboys migraram para o serviço de mototáxi. Ao menos uma empresa já tem clientela fixa. E, devido a isso, dificilmente deixará de prestar o serviço. “A Prefeitura querendo ou não, o serviço vai continuar. Os meus clientes já disseram que não vão deixar de utilizar o serviço”, afirma Célio da Silva, de 29 anos e que começou como motoboy com 20 anos e há quatro passou a fazer o serviço de mototáxi.
Com sua empresa de motofrete, Silva diz que conta com cerca de 35 clientes fixos e que garante serviço para até 100 motoboys por mês. Ele diz que gostou da lei sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, mas discorda de algumas restrições, como a obrigatoriedade de se fazer cursos de direção defensiva e conscientização. “Tem gente que tem carta de motorista há 30 anos e mesmo assim não dirige bem”, ressaltou.
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As empresas têm de acabar com isso de ganhar por hora, porque daí o cara tem de andar feito louco no trânsito"
Para Silva, ao menos duas medidas seriam bem-vindas para os mototaxistas, seja em forma de lei ou não. “A primeira seria o seguro para o profissional. Não tem seguro para caminhoneiro, para taxista, para as pessoas e até para carro? Por que não tem para o mototaxista?”, indagou. E para os profissionais que dependem da motocicleta para sobreviver, outra medida que poderia ser adotada é o pagamento por hora. “Tem de ganhar por km rodado. As empresas têm de acabar com isso de ganhar por hora, porque daí o cara tem de andar feito louco no trânsito. Tem rede de fast food que obriga o motoboy a chegar em 28 minutos; senão, tem de pagar do próprio bolso”, justificou.
O fotógrafo Armando Ferraz complementa a renda fazendo serviços de mototáxi
Renda extra
O fotógrafo Armando Ferraz, de 41 anos, por sua vez, afirmou que complementa o salário para sustentar a família e a casa fazendo serviço de mototáxi. Prestando serviço para uma agência de turismo, ele consegue mais de 50 saídas por mês. Para fazer um city tour de moto com um turista, geralmente estrangeiro, ele recebe R$ 60. E para ir de um ponto a outro da cidade, serviço geralmente solicitado por funcionários de bancos e outras empresas, Ferraz cobra R$ 20.
“É o que está salvando a lavoura”, falou, sobre o valor que tira por mês com o serviço de mototáxi ou mesmo de carro, em algumas ocasiões. “O próprio turista quer ir de moto, pela agilidade, para não ficar parado no trânsito e poder visitar mais lugares em menos tempo. Mas às vezes vou buscar alguém que chega no aeroporto e então tenho de ir de carro”, contou.
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É uma situação horrorosa, porque não gosto de fazer nada de forma ilegal, mas vou continuar fazendo"
E mesmo sem a regulamentação da lei pela Prefeitura ele garante que não vai deixar de realizar os serviços. “É chato, é uma situação horrorosa, porque não gosto de fazer nada de forma ilegal, mas vou continuar fazendo”, disse. Para ele, a lei deveria determinar a criação de corredores exclusivos para motos nas principais avenidas de São Paulo.
Apesar disso, Ferraz concorda que a segurança é um dos pontos questionáveis da lei sancionada por Lula, mas não entende por que a Prefeitura não vai regulamentá-la. “É uma faca de dois gumes. Por um lado, é bom para quem quer se profissionalizar; por outro, tem a questão da segurança. Tem cara que não tem condições de trabalhar. Eu prezo a segurança e só ando na boa. E nunca caí. Mas achei que ele (prefeito Gilberto Kassab) não está dando opção. Poderia ser algo negociado com toda a categoria”, argumentou.
No Rio de Janeiro, serviço não para de crescer
É cada vez maior o número de mototaxistas circulando pelas ruas do Rio. O serviço, que há pouco tempo só era oferecido nas comunidades, agora já atende usuários até nos principais pontos do Centro e em bairros onde o movimento comercial é mais efervescente.
O G1 procurou a Prefeitura do Rio para falar sobre a regulamentação e a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Transportes respondeu com o seguinte e-mail:
“A lei sancionada pelo presidente Lula que regulamenta a profissão de mototáxi nos Estados e municípios faculta as prefeituras das cidades a decisão de reconhecer e adotar ou não o serviço dentro do sistema de transportes, como já existe para os demais modais (ônibus, táxis, escolar). A Secretaria Municipal de Transportes vai analisar a conveniência ou não de regulamentar essa profissão, considerando aspectos que envolvem o seu perfil para transporte de passageiros e aspectos relativos a segurança desse veículo para exercer essa função.”
O mototaxista Felipe Luiz leva a gerente de banco, Adriana Almeida, até o Centro do Rio
Serviço na balada
O mototaxista Felipe Luiz, 24 anos, trabalha desde os 18 em um ponto da Lapa, bairro boêmio da cidade. “A gente funciona durante 24 horas. E a procura é grande, porque os ônibus só circulam até às 22h. De quinta-feira até sábado o movimento aumenta bastante”, diz ele, interrompendo a conversa para levar a gerente de banco Adriana Almeida até o Centro.
Ela aprova o serviço. “Não tenho o menor constrangimento. Acho normal. Já fui para a minha agência, que fica no Mercado São Sebastião (Penha, Zona Norte), na garupa de uma moto. Quando tenho que sair para resolver alguma coisa no Centro também não penso duas vezes. Eles já me conhecem. Sou uma cliente que prestigia o trabalho desses rapazes”, conta, escolhendo o capacete de sua preferência.
Felipe garante que seu ponto transporta em média 70 pessoas por dia. São moradores de Santa Teresa, Glória, Lapa, Bairro de Fátima, Rio Comprido, além de outros mais distantes. Os preços variam de R$ 2 a R$ 4, de acordo com o percurso.
O mototaxista Wallace de Souza se prepara para levar uma cliente no Centro do Rio
Viagens no Centro
No “camelódromo” da Rua Uruguaiana, comércio popular mais movimentado do Centro, os passageiros não param de chegar. “Os dias mais movimentados são segunda-feira, quando muita gente sai de casa para procurar emprego, e sexta-feira, quando as pessoas resolvem ficar um pouquinho até mais tarde para tomar uma cerveja com os amigos”, revela o mototaxista Wallace de Souza, 28 anos.
Enquanto se preparava para atender uma emergência - sua cliente deixou o trabalho às pressas para ir correndo ao hospital, onde seu filho acabara de ser internado -, Wallace fez questão de mandar um recado.
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Numa blitz policial, somos sempre os primeiros suspeitos. Infelizmente, muita gente tem moto e usa para o mal"
“Numa blitz policial, somos sempre os primeiros suspeitos. Infelizmente, muita gente tem moto e usa para o mal, mesmo, passa a trabalhar para o tráfico. Mas eu tenho orgulho do meu trabalho, honesto, e conheço muita gente que tira o seu sustento disso, como eu”, afirma, acrescentando que sua renda mensal é de R$ 1,2 mil.
Audiência com o prefeito
O presidente da Associação dos Motociclistas do Rio de Janeiro (Amo-RJ), Aloisio César Braz, um dos líderes da luta para legalizar a função de mototáxi, espera uma audiência com o prefeito Eduardo Paes para uma ampla discussão sobre o assunto. “É preciso ouvir os representantes da categoria para definir regras com responsabilidade”, ressalta.
Ele aponta como “um erro estratégico” o fato de o Governo Federal ter aberto financiamento para compra de motocicletas populares sem que houvesse a regulamentação da profissão.
“Agora, estamos diante de uma situação que não podemos deixar de lado e tampouco ignorar. O mototaxista surgiu em função da carência de transportes. Portanto, espero que a prefeitura nos chame para conversar”, acena Aloisio.
De acordo com o sindicato, no ponto da Rocinha, favela situada em São Conrado, na Zona Sul, existem pelo menos 400 mototaxistas que só circulam para atender os moradores da comunidade. Em São Cristóvão, um dos bairros mais comerciais da Zona Norte, pelos menos 150 estão em atividade.
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